quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Contemplação - Cecília Meireles





Contemplação
Cecília Meireles



Não acuso. Nem perdôo.
Nada sei. De nada.
Contemplo.

Quando os homens apareceram,
eu não estava presente.
Eu não estava presente
quando a terra se desprendeu do sol.
Eu não estava presente
quando o sol apareceu no céu.
E antes de haver o céu,
Eu não estava presente.

Como hei de acusar ou perdoar?
Nada sei.
Contemplo.

Parece que às vezes me falam,
Mas também não tenho certeza.
Quem me deseja ouvir nestas paragens
onde somos todos estrangeiros?
Também não sei com segurança, muitas vezes,
da oferta que vai comigo e em que resulta,
pois o mundo é mágico!

Já vês que me enterneço e me assusto
entre as secretas maravilhas.
E não posso medir todos os ângulos do meu gesto.
Noites e noites estudei devotamente
nossos mitos e sua geometria.

Tão pouco somos - e tanto causamos - com tão longos ecos!
Nossas viagens têm cargas ocultas, de desconhecidos vínculos.
Entre o desejo do itinerário, uma lei que nos leva
age invisível e abriga 
mais que o itinerário e o desejo.

Que te direi, se me interrogas?
Não acuso, nem perdôo.
Que faremos, errantes, entre as invenções dos deuses?

Eu não estava presente quando formaram 
a voz tão frágil dos pássaros.
Quando as nuvens começaram a existir,
Qual de nós estava presente?

Um comentário:

  1. FALAR O QUÊ?
    APENAS CONTEMPLO.

    ABRAÇOS.
    TUDO DE BEM EM SUA VIDA.

    ResponderExcluir